Acompanhei por um tempo um programa no canal Discovery Home and Health que se chamava: “Comendo Escondido”.
Para quem não conhece, o programa se propõe a acompanhar pessoas que não conseguem entender porque estão acima do peso. Alguns participantes acreditam que comem bastante, mas não a quantidade que justificaria o grande aumento de peso. Já outros participantes são capazes de jurar “de pés juntos” que praticam uma alimentação extremamente saudável e que seu sobrepeso é um grande mistério!
Por cinco dias, a equipe do programa monitora os participantes utilizando câmeras de vídeo instaladas em suas casas e “detetives” que os seguem durante a sua rotina do dia a dia.
Resultado final: assistindo aos vídeos descobrimos que o discurso dos participantes a respeito dos seus hábitos alimentares é muito diferente da prática. No final do programa eles, confrontados pela nutricionista, têm que se dar conta de que comem muito, mas muito a mais do que imaginavam.
Encontramos diferenças gritantes de percepção como no caso de um dos participantes que acreditava comer em torno de 2000 calorias por dia quando na verdade comia 5300. Ou da outra participante que jurava não comer e nem gostar de doces, mas que foi flagrada devorando 3 barras de chocolates por dia.
O que acontece com essas pessoas? São mentirosos compulsivos?
Não. São pessoas normais que possuem grandes sistemas de defesa para não encarar a realidade.
Vocês já observaram como é fácil nos enganarmos sobre a quantidade de comida que comemos no nosso dia a dia?
Quando comemos em pé na frente da geladeira, quando comemos enquanto estamos dirigindo ou assistindo TV, quando pegamos uma lasquinha do bolo que está em cima da mesa ou quando provamos a comida que estamos cozinhando temos a sensação de que não estamos comendo ou de que aquela comida não conta pontos: “É só um pedacinho”, falamos para nós mesmo. E de pedacinho em pedacinho acabamos comendo muito mais do que imaginamos.
Depois de tanto comer escondido em algum momento temos que encarar a realidade e ficamos surpresos com o resultado: engordamos, mas não conseguimos entender como isso aconteceu.
Mas por que isso acontece?
A Psicologia monstra que nossa personalidade é muito maior do que aquilo que conhecemos a nosso respeito e que possuímos a capacidade de esconder de nós mesmos tudo aquilo que julgamos feio e errado da nossa personalidade. Usamos um sistema de defesa para reprimir nossos “defeitos” e colocá-los na nossa Sombra.
Onde mora o problema…
Quando não enxergamos nossas fragilidades dificultamos o nosso processo de mudança, afinal, se ficamos inconscientes desses nossos lados, como podemos transformá-los? Se eu acredito que como pouco e de maneira saudável, eu imagino que não preciso de uma reeducação alimentar. Se está tudo certo na minha maneira de viver, não há o que mudar. Então, o que posso fazer para emagrecer? Nada. A não ser que eu reconheça que algo está errado na minha forma de me alimentar, não vou encontrar motivos para mudar meu jeito de ser.
Por isso, o primeiro passo para a transformação de qualquer comportamento é a consciência de que ele existe. E nesse sentido esse programa acaba sendo genial pois faz com que os participantes sejam obrigados a encarar a realidade. E por mais doloroso que seja, é somente encarando a verdade que começamos a nos libertar das nossas próprias armadilhas.
Quem não quer correr o risco de sabotar a própria reeducação alimentar precisa ficar atento para não comer escondido. E existem algumas formas de evitar que isso aconteça:
1. Pense se você comeria assim na frente de outras pessoas
Comer escondido é uma forma de se proteger dos julgamentos das outras pessoas. Quem está acima do peso sente que não tem a permissão para comer o que tem vontade, como se comer fosse algo errado, proibido e por isso precisa ser escondido dos outros. Só que dessa forma a pessoa acaba escondendo o que está fazendo de si mesma, “se ninguém está olhando, eu não estou engordando”.
Quando a pessoa não tem coragem de comer em público é porque ela sente que está fazendo alguma coisa errada. Ao responder essa pergunta a pessoa consegue perceber se está em paz com as suas escolhas ou se realmente está sabotando a sua dieta.
2. Coma sentado
Quando comemos escondido, além de nos enganarmos, não nos sentimos satisfeitos. Isso acontece porque não estamos conscientes do que estamos fazendo e a falta de consciência interfere na sensação de saciedade. Quando comemos em pé, nos movimentando ou fazendo outras coisas não conseguimos prestar atenção no que estamos comendo. Se comprometer a se sentar para comer, mesmo que seja um lanchinho rápido, ajuda no processo ficar consciente.
3. Coma em momentos calmos
Da mesma forma que não nos damos conta do que comemos quando estamos fazendo outras coisas, se omomento está turbulento, com discussões e assuntos estressantes provavelmente a pessoa não vai conseguir se dar conta do que está comendo e vai acabar perdendo o controle. Por isso, procure um lugar calmo para se alimentar.
4. Anote
O diário alimentar continua sendo a melhor forma de nos protegermos da nossa vontade de negar a realidade. Quando anotamos, não conseguimos esconder os nossos atos de nós mesmos e nos responsabilizamos pelo que está acontecendo. A vontade de não anotar é um indicativo de que estamos querendo comer escondido. Por isso, cuidado com a “preguiça” pois ela pode ser um verdadeiro boicote.
Flávia Scavone
Psicóloga do Tecnonutri
CRP 06/58691